O Projeto de Lei 2687/2022, que propõe classificar o diabetes tipo 1 (DM1) como deficiência para efeitos legais, chega a uma fase decisiva. Com prazo até o dia 13 de janeiro para sancionar ou vetar o texto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta uma decisão que pode impactar diretamente os direitos e a inclusão de pessoas com diabetes tipo 1. Especialistas, como os advogados Pedro Ottoni Salomão e Maria Eloísa Malieri, defendem a sanção do PL, mas o debate revela nuances importantes que vão além do apoio pessoal ou político à causa.
Autonomia presidencial e limites constitucionais
Em entrevista ao Portal Um Diabético, Pedro Ottoni Salomão destacou que “o presidente Lula é o único responsável pela sanção ou veto do PL 2687/2022” e que não há forças externas que o impeçam de aprová-lo. Embora isso seja juridicamente correto, a Constituição impõe requisitos importantes que devem ser observados, especialmente no que se refere ao impacto financeiro e à viabilidade prática do projeto.
Maria Eloísa Malieri, advogada e pessoa com diabetes, criadora do perfil @eloebete, reforça: “O presidente, ao sancionar ou vetar um projeto de lei, não pode agir apenas com base na sua vontade pessoal. Ele representa toda a nação e deve respeitar os limites definidos pela Constituição e pelas leis.”
Esses limites incluem:
- Constituição Federal – O presidente deve analisar se o projeto respeita os princípios constitucionais. Caso contrário, ele tem o dever de vetar.
- Interesse público – A decisão deve considerar o impacto para a sociedade como um todo, e não interesses pessoais ou de grupos específicos.
- Justificativa clara – Caso vete o projeto, o presidente deve apresentar justificativas objetivas, seja por inconstitucionalidade ou falta de interesse público.
- Controle do Congresso – O veto presidencial pode ser derrubado pelo Congresso Nacional, caso haja apoio suficiente, garantindo o equilíbrio entre os poderes.
A necessidade da análise pelos ministérios
Maria Eloísa Malieri explica que a participação dos ministérios na análise do projeto é fundamental para garantir uma decisão embasada e viável. “Os ministérios têm um papel técnico essencial. Eles avaliam se o projeto é juridicamente viável, se respeita os limites constitucionais e orçamentários e se está alinhado com as políticas públicas do governo. Essa análise é o que dá segurança jurídica e técnica para a decisão presidencial.”
Ela ainda destaca que “em projetos como o PL 2687/2022, o Ministério da Saúde, por exemplo, avalia o impacto operacional e a relação com as políticas de saúde pública, enquanto os Ministérios do Planejamento e Previdência analisam os custos e a viabilidade orçamentária.”
Essa articulação entre os ministérios, segundo a advogada, “é indispensável para evitar que uma lei aprovada se torne inviável ou contraditória na sua aplicação.”
A questão orçamentária como requisito central
De acordo com o artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), toda medida que implique aumento de despesas públicas deve apresentar estimativas claras do impacto financeiro e a indicação de fontes de custeio. Nesse sentido, o Instituto Diabetes Brasil apresentou uma análise detalhada sobre o impacto orçamentário do PL, que estima um custo anual de aproximadamente R$ 489 milhões, beneficiando cerca de 28.647 pessoas com DM1 que se enquadram nos critérios do Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Esse cálculo considera fatores como a quantidade de pessoas com DM1 no Brasil, estimada em 588.800 segundo o T1D Index, e o percentual de indivíduos que atendem aos requisitos de renda familiar de até ¼ do salário mínimo. Após ajustar esses números e excluir beneficiários já contemplados por outros critérios, foi projetado o impacto financeiro com base no valor anual do benefício, de R$ 16.944 por pessoa.
Maria Eloísa complementa: “A análise orçamentária é essencial porque o governo precisa garantir que exista viabilidade financeira para implementar a medida. Não podemos ignorar que, além da aprovação, a execução é o que realmente impacta a vida das pessoas.”
Conflitos entre diabetes tipo 1 e tipo 2
Outro ponto levantado pelo advogado Pedro Ottoni Salomão foi o risco de confusão entre as condições de diabetes tipo 1 e tipo 2, o que, segundo ele, poderia levar ao veto do projeto.
Embora essa confusão seja um problema frequente em campanhas públicas e no discurso popular, a equipe técnica do governo deveria entender e saber diferenciar os tipos de diabetes existentes.
O peso da decisão presidencial e os desafios de implementação
Muitos acreditam que Lula se sensibilize com a causa, pelo fato da sua bisneta ter o diagnostico de diabetes tipo 1 e o presidente já ter, em outra ocasião, se emocionado ao falar dos cuidados que ela precisa ter com a condição. Porém, decisões presidenciais precisam observar critérios técnicos e legais, e não apenas aspectos emocionais ou pessoais.
Maria Eloísa reforça essa visão: “A sanção de um projeto é apenas o começo. Para que ele tenha impacto real, é preciso pensar na regulamentação e na estrutura necessária para implementá-lo. Sem planejamento, a lei pode acabar sendo apenas um papel.”
E se o presidente não se manifestar até o dia 13?
Caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não sancione nem vete o PL 2687/2022 até o prazo estipulado, entrará em vigor o mecanismo conhecido como “sanção tácita”. Segundo o artigo 66, parágrafo 3º, da Constituição Federal, “Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção.” Isso significa que, mesmo sem uma decisão formal, o projeto será considerado aprovado e seguirá para promulgação.
Apesar disso, é importante destacar que, mesmo sancionada tacitamente, a implementação da lei dependerá de regulamentações específicas e planejamento orçamentário, o que pode criar desafios futuros para sua aplicação.
Caso o PL seja vetado
Se o presidente optar pelo veto, ele será obrigado a apresentar justificativas ao Congresso Nacional, que terá o poder de deliberar sobre a manutenção ou derrubada do veto. Apesar disso, a derrubada de vetos presidenciais é um processo complexo, que exige maioria absoluta dos parlamentares. Essa realidade reforça a importância de mobilização política e social em torno do tema.
A importância da conscientização pública
Classificar o diabetes tipo 1 como deficiência pode abrir portas para políticas públicas mais inclusivas, como acesso facilitado a benefícios e tecnologias assistivas. Porém, mesmo com a sanção, o sucesso do projeto dependerá da conscientização da sociedade e da pressão para que os direitos sejam efetivamente implementados.
Maria Eloísa alerta, “Projetos como este são um avanço para pessoas com diabetes, mas a conscientização da sociedade é igualmente crucial. Precisamos lutar não apenas por leis, mas pela garantia de que elas sejam aplicadas e tragam mudanças reais na vida das pessoas.”
Enquanto o Brasil aguarda a decisão presidencial, o debate em torno do PL 2687/2022 segue como um marco na luta pelos direitos das pessoas com diabetes tipo 1. A responsabilidade do governo em analisar todos os aspectos legais, financeiros e técnicos é tão central quanto o impacto social e humano que a medida pode gerar.
Foto de Capa: Ricardo Stuckert Filho/Governo Federal
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