Por mais de um século, desde a descoberta da insulina em 1922, o tratamento do diabetes tipo 1 tem se concentrado em controlar os níveis de glicose no sangue, mas sem abordar a causa raiz da doença: a destruição das células beta do pâncreas. Agora, avanços na medicina regenerativa estão mudando esse cenário e trazendo esperança para milhões de pessoas que convivem com a condição.
Recentemente, pesquisadores da Universidade de Nankai, na China, realizaram um procedimento pioneiro: um transplante autólogo de ilhotas pancreáticas derivadas de células-tronco pluripotentes induzidas quimicamente (CiPSC). Essa abordagem inovadora permitiu que uma jovem de 25 anos alcançasse independência total de insulina por um ano, marcando um momento histórico na medicina regenerativa.
O que torna esse avanço tão significativo?
A chave está na capacidade de recriar células beta funcionais a partir do próprio corpo do paciente. No caso realizado pela equipe chinesa, as células adiposas da paciente foram reprogramadas quimicamente para se transformarem em ilhotas pancreáticas capazes de produzir insulina. O transplante foi realizado sob o músculo abdominal, uma região que oferece maior segurança e simplicidade cirúrgica.
Os resultados impressionaram. Os níveis de glicose em jejum da paciente caíram de 210 mg/dL para 126 mg/dL. A hemoglobina glicada (HbA1c), indicador de longo prazo do controle glicêmico, caiu de 7,57% para 5,37%. Ainda mais notável foi a independência total de insulina, alcançada em apenas 75 dias e mantida por pelo menos um ano.
Uma revolução na abordagem do diabetes tipo 1
Historicamente, o diabetes tipo 1 tem sido tratado com injeções diárias de insulina e monitoramento constante dos níveis de glicose. Contudo, essa abordagem não cura a doença nem previne suas complicações a longo prazo. O novo tratamento com células-tronco muda o foco: em vez de gerenciar os sintomas, ele busca restaurar a função natural do corpo.
“Pela primeira vez, conseguimos criar ilhotas pancreáticas funcionais a partir de células do próprio paciente, eliminando a necessidade de doadores e o risco de rejeição imunológica”, destacaram os pesquisadores liderados por Wang.
Desafios e possibilidades futuras
Embora o sucesso inicial seja promissor, a terapia ainda está em fase experimental. Estudos adicionais serão necessários para confirmar sua segurança e eficácia em longo prazo, especialmente para populações maiores e mais diversas. Além disso, tecnologias complementares, como edição genética com CRISPR, estão sendo exploradas para tornar as células beta regeneradas ainda mais resilientes ao ataque autoimune.
Outra questão crucial é a escalabilidade. O processo de reprogramação química utilizado no estudo chinês é complexo, mas tem potencial para ser ampliado e beneficiar um maior número de pessoas. A capacidade de produzir células beta em larga escala e com consistência de qualidade seria um marco no tratamento do diabetes tipo 1.
O impacto para pacientes e a medicina
Este avanço não representa apenas uma esperança de cura para o diabetes tipo 1, mas também marca uma mudança mais ampla na medicina regenerativa. Ao mostrar que é possível regenerar tecidos ou órgãos perdidos a partir de células do próprio paciente, a pesquisa abre caminhos para tratar outras doenças crônicas, como insuficiência hepática ou cardíaca.
“O diabetes é apenas o começo. Esta abordagem abre caminhos para o tratamento de uma ampla gama de condições crônicas”, concluíram os cientistas.
O que antes parecia inalcançável agora é uma possibilidade real. E enquanto avanços como este ainda precisam ser aperfeiçoados, eles apontam para um futuro onde a medicina não apenas gerencia doenças, mas as cura de maneira personalizada e definitiva.
Referências
WANG, S. et al. Transplantation of chemically induced pluripotent stem-cell-derived islets under abdominal anterior rectus sheath in a type 1 diabetes patient. Cell, v. 187, p. 6152–6164.e18, 2024.
ABOU ZAKI, R.; EL-OSTA, A. Advancing type 1 diabetes therapy: autologous islet transplant breakthrough. Signal Transduction and Targeted Therapy, v. 9, n. 366, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1038/s41392-024-02090-x. Acesso em: 27 dez. 2024.
WU, J. et al. Treating a type 2 diabetic patient with impaired pancreatic islet function by personalized endoderm stem cell-derived islet tissue. Cell Discovery, v. 10, n. 45, 2024.
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