Em meio aos desafios diários que o diabetes impõe, nasce um gesto artístico de resistência e conexão. Mais do que um diagnóstico, o diabetes vira palavra escrita na pele, vira história, vira arte viva. É isso que o projeto “Feito Tatuagem” propõe: transformar o corpo em espaço de fala, onde palavras que atravessam a vida das pessoas ganham forma através da pintura e da fotografia. Entre elas, o diabetes aparece com força, como identidade, dor, aprendizado e luta.
A iniciativa, idealizada por Sérgio Santoian e Louise Helène, surgiu em 2018, em um momento de tensão política e silenciamento da arte. Eles sentiram a necessidade de reagir. Usaram, então, o corpo e a palavra como formas de resposta. O diabetes entra nesse cenário, em 2025, como tema central em um dos ensaios mais simbólicos do projeto, protagonizado pelo jornalista Tom Bueno, criador do canal “Um Diabético”.

“A ideia do projeto surgiu em 2018, quando a gente estava fazendo fotos do ator Mohamed Rafouk e a gente estava num período político muito ruim, onde várias peças e séries de amigos tinham sido censuradas. A primeira pessoa que a gente fotografou foi o Mohamed. A gente escreveu nele como uma forma de combater o que estava acontecendo com a nossa arte. A partir daí, decidimos chamar amigos para fazerem parte do projeto, cada um escrevendo uma palavra que os atravessasse”, conta Sérgio Santoian, fotógrafo e idealizador do projeto.
A palavra escrita como cicatriz e símbolo
Em um cenário onde o corpo se torna página, o diabetes não aparece apenas como condição médica, mas como experiência humana, repleta de nuances. Para muitas pessoas, conviver com a doença significa lidar com controle diário, medo, preconceito e um sistema de saúde muitas vezes desatento. Escrever essa palavra na pele não é apenas uma escolha estética. É um grito.
“A pintura corporal é uma ferramenta poderosa de conexão, comunicação e transformação. Ela convoca nossa ancestralidade e potencializa nossa expressão. Nos reaproxima da nossa humanidade e pode nos curar em muitos lugares, de forma individual e coletiva”, explica Louise Helène, artista e quem escreve as palavras sobre os corpos.
Na sessão com Tom Bueno, palavras como diabetes, pâncreas, insulina e sensor estamparam seu corpo como marcas temporárias, mas profundamente simbólicas. Elas falam de vivência. Contam sobre um dia a dia marcado por leituras de glicemia, trocas de insulina e escuta ativa de si mesmo. Ao dar corpo à palavra, o projeto devolve a essas experiências um novo significado.
O corpo como manifesto
A proposta do projeto é simples, mas potente. Louise conversa com cada participante antes de começar. Ela quer entender qual palavra faz sentido, o que atravessa aquela pessoa e porque. A partir disso, escreve no corpo com tinta, enquanto Sérgio registra em fotografias que transformam o instante em símbolo duradouro.
Não há roteiros, nem poses forçadas. Tudo acontece de forma orgânica. A câmera capta não só a imagem, mas a presença. A escrita vira uma extensão da pele. E o corpo, território de resistência.
No caso do ensaio sobre o diabetes, o protesto se mistura com emoção. A palavra escrita é, muitas vezes, também uma ferida aberta, uma memória de dor. Mas ao mesmo tempo, vira força, coragem, recomeço. Para quem vive com a condição, é uma forma de dizer: eu existo, com tudo o que essa condição carrega.
A força da representatividade do diabetes

Tom Bueno, jornalista que se dedica a dar informações sobre o diabetes tipo 1 e 2, não só se permitiu viver essa experiência, como também usou sua imagem como porta-voz de milhões de brasileiros que convivem com a doença. A exposição do corpo com palavras relacionadas ao diabetes provoca empatia e desconstrói estigmas.
Pessoas com diabetes ainda enfrentam julgamentos, olhares tortos e muitas dúvidas sociais. Quem vê de fora muitas vezes não entende o esforço por trás do simples ato de manter a glicose sob controle. E por isso, ações como essa, que unem arte, emoção e informação, fazem tanta diferença.
A imagem final não é só estética. É denúncia, é educação, é convite para olhar o diabetes com mais profundidade e menos preconceito.
Quando o corpo fala, o silêncio acaba
O projeto “Feito Tatuagem” não é sobre moda, nem sobre vaidade. Ele fala de identidade. De narrativas que não cabem nos discursos médicos. Ele mostra que o corpo é lugar de memória, de política e de cura. E no caso do diabetes, a cura ainda não existe, mas o cuidado com a escuta, a informação e a expressão pode transformar a forma como a sociedade enxerga a condição.
Além disso, o projeto amplia a discussão sobre inclusão, saúde e visibilidade. Ao trazer para a cena um tema muitas vezes tratado com tabu ou superficialidade, ele mostra que o diabetes precisa ser falado, vivido e respeitado.
Mais do que pintar palavras no corpo, o projeto escreve com tinta aquilo que a sociedade insiste em apagar: as marcas de quem vive com coragem, todos os dias, sem esconder sua história.
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