Milhares de pessoas com ou sem diabetes no Brasil enfrentam um verdadeiro labirinto quando precisam de atendimento especializado pelo SUS. Enquanto o diagnóstico da doença já é um desafio, o acesso ao tratamento adequado com endocrinologista e oftalmologista torna-se um desafio ainda maior, especialmente em estados com menos estrutura ou com alta demanda acumulada.
Dados obtidos com exclusividade pelo projeto “Vozes do Advocacy” e compartilhados com o “Um Diabético”, por meio da Lei de Acesso à Informação, revelam a realidade de muitos brasileiros que precisam de cuidados urgentes, mas ficam presos em longas filas.
“A pessoa já perdeu a visão nesse tempo”
A presidente da Federação Vozes do Advocacy, Vanessa Pirolo, por sua vez, alerta para a gravidade da situação. Segundo ela, o tempo necessário para conseguir realizar o tratamento adequado da retinopatia diabética, que, aliás, é uma das principais complicações oculares do diabetes, torna-se, na prática, quase impossível em várias regiões do país. Além disso, a espera prolongada compromete diretamente o prognóstico dos pacientes e evidencia um cenário alarmante de negligência estrutural.
“Por exemplo, em Minas Gerais, são 385 dias para você conseguir agendar o tratamento para fazer de retinopatia diabética, para aplicar o anti-VEGF. Então, isso se repercute em muitas outras demandas também”, afirmou Vanessa.
Segundo ela, o cenário se repete em diversas áreas da saúde especializada, com demoras desde a consulta inicial até a aplicação dos tratamentos.
Consultas com oftalmologistas demoram até 243 dias
O problema não está restrito à aplicação do medicamento. A primeira consulta com o oftalmologista, que deveria ser o início da prevenção, também enfrenta barreiras gigantescas.
Vanessa Pirolo detalha:
“É bem complicado. Por exemplo, oftalmologista no país: um outro estado que nos chama a atenção é Roraima. São mais de 243 dias para você ter acesso à primeira consulta. O Distrito Federal são 179 dias. Em Minas Gerais, que também é outro estado bem complicado, são mais de 107. Então, se a gente olhar Minas Gerais, soma 107 [dias] para você ter acesso ao oftalmologista, provavelmente mais 200 dias para ter o diagnóstico e mais 300 e poucos dias para ter acesso ao tratamento.”
Os dados, por sua vez, foram enviados pelo Ministério da Saúde à Federação Vozes do Advocacy no dia 21 de março e, posteriormente, publicados pela organização. A partir dessas informações, fica evidente o impacto direto da demora no diagnóstico e no início do tratamento, especialmente em casos que, como a retinopatia diabética, exigem atenção imediata e intervenção rápida para evitar danos irreversíveis.
Mais de 185 mil pessoas aguardam consulta com endocrinologista no país
Além disso, o problema também se estende ao acesso ao endocrinologista e metabologista, áreas fundamentais para o tratamento adequado do diabetes tipo 1 e tipo 2. De acordo com uma apuração conjunta da Federação Vozes do Advocacy e do portal “Um Diabético”, atualmente, 187.086 pessoas, convivendo ou não com diabetes, estão na fila aguardando uma consulta com esses profissionais no Brasil.
Esses pacientes incluem, por um lado, aqueles que já possuem diagnóstico confirmado e precisam de acompanhamento contínuo do médico endocrinologista. Por outro lado, há quem ainda dependa dessa avaliação especializada para iniciar o tratamento. Enquanto isso, a demora no atendimento aumenta os riscos de complicações, comprometendo tanto a qualidade de vida quanto a evolução do quadro clínico.
Bahia e Sergipe têm melhor desempenho. Rondônia é o pior com endocrinologistas
A espera por um endocrinologista varia bastante entre os estados. Bahia e Sergipe são destaques positivos: a espera média é de apenas 9 dias e 7 dias, respectivamente. Por outro lado, a situação é grave em Rondônia, onde a espera chega a 240 dias.
Veja alguns números médios de espera por estado:
- Bahia: 9 dias;
- Sergipe: 7 dias;
- São Paulo: 73 dias;
- Minas Gerais: 107 dias;
- Rio de Janeiro: 84 dias;
- Rondônia: 240 dias.
Essa desigualdade regional escancara os desafios do Sistema Único de Saúde (SUS) em garantir acesso justo e igualitário, independentemente do local onde a pessoa vive.
Fila longa, risco maior
Especialistas já alertam há anos que o tempo de espera para acessar especialistas influencia diretamente no risco de complicações graves. No caso do diabetes, os principais problemas incluem:
- Retinopatia diabética: pode levar à cegueira;
- Nefropatia: causa perda da função dos rins;
- Neuropatia: leva à perda de sensibilidade e aumenta o risco de amputações;
- Complicações cardiovasculares: aumentam o risco de infarto e AVC;
Com filas que ultrapassam 300 dias, a chance de o paciente desenvolver complicações antes mesmo de ser atendido é real e crescente.
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