A constatação foi feita pelo jornalista Tom Bueno em visita à aldeia dos índios Xavantes; situação se contrasta com os recentes casos de fome e desnutrição entre os Yanomamis
Maurílio Goeldner, da Redação Um Diabético
Um povo ainda com as raízes culturais preservadas, mas que está morrendo aos poucos. A razão é uma doença crônica, que se tornou uma epidemia nos últimos anos.
Os índios xavantes que vivem na aldeia São Gabriel, em Campinápolis, Mato Grosso, contaram ao jornalista Tom Bueno que 80% das famílias xavantes tem pelo menos uma pessoa diabética. O dado foi confirmado em estudo cientifico.
Os próprios indígenas atribuíram essa explosão de casos a uma mudança nos hábitos alimentares: “meu povo chama de doença do “açúcar no sangue”… o “homem branco” que trouxe e muitos xavantes já morreram”, diz dona Carmelita de 80 anos. Ela se refere a introdução de alimentos até então desconhecidos pelos indígenas.
É que para evitar a fome, problema que acaba de ser diagnosticado entre os índios Yanomamis, pessoas da sociedade civil doam cestas de comida para a aldeia dos Xavantes.
A intenção é boa, mas traz um efeito colateral. Nessa cesta vão alimentos industrializados como refrigerantes, salgadinhos e bolachas. “O pessoal da aldeia costumava caçar e a gente comia muita mandioca, cará, frutas e coisas vindas da terra… hoje eu me acostumei com a comida do “homem branco”, alimentos do mercado, da indústria”, diz a indígena diagnosticada com a doença que afeta a produção de insulina e faz a glicose subir no sangue. O filho e os netos também são diabéticos. A família não tem ideia e nem apoio adequado para tratar o diabetes.
Carmelita tem dificuldade pra enxergar. A perda da visão é uma consequência do diabetes mal controlado.
Pesquisadores da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) e da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP avaliaram 157 indígenas xavantes. Eles foram submetidos a exames da retina, antes da pandemia do novo coronavírus e os resultados mostraram alta prevalência de diabete tipo 2 e de uma disfunção oftalmológica causada pela doença.
Os resultados do estudo foram publicados na revista Diabetes Research and Clinical Practice, da International Diabetes Federation.
Um estudo anterior com 932 xavantes indicou que 66,1% apresentavam síndrome metabólica, definida como uma condição na qual os fatores de risco para doenças cardiovasculares e diabetes mellitus ocorrem ao mesmo tempo.
80% das famílias xavantes tem pelo menos uma pessoa diabética. Foto: reprodução O jornalista Tom Bueno, idealizador e apresentador do canal Um Diabético. Foto: reprodução
Ocas tinham bolacha recheada e salgadinho
Durante a gravação do documentário “Retrato – O Brasil que depende de insulina”, Tom Bueno idealizador e apresentador do canal “Um Diabético”, no Youtube, encontrou poucas ocas onde estavam estocados sucos artificiais, bolachas recheadas, bolos, salgadinho e até refrigerante. “Ao redor da Aldeia São Gabriel a mata ainda tenta renascer depois do desastre ambiental. Pouco antes da nossa equipe chegar um incêndio consumiu tudo na floresta. E não foi só no mato. Na aldeia, três ocas grandes foram destruídas pelo fogo”, relatou o apresentador do canal.
Sem conseguir mais tirar seu sustento da mata, os xavantes dependem de doações que chegam da cidade e da FUNAI. “São cestas básicas, essa mesma que encontramos no supermercado”, afirma Tom Bueno.
O documentário “Retrato – O Brasil que depende de insulina”, tem sete episódios. Foto: reprodução
Contraste com a desnutrição entre os Yanomamis
A situação detectada na tribo Xavante remete a outra crise humanitária e de saúde pública entre os povos originários.
Recentemente, uma missão oficial do governo federal no território Yanomami, em Roraima, encontrou crianças e idosos com desnutrição severa. Os técnicos do Ministério da Saúde fazem atendimentos na região desde o dia 16 de janeiro. Eles encaminharam as crianças para tratamento de saúde em Boa Vista.
Crianças Yanomamis desnutridas são atendidas durante missão humanitária. Foto: Condisi YY – Divulgação
O paciente resgatado mais novo, de 18 dias de vida, foi levado ao hospital com quadro de pneumonia, e chegou a ter cinco paradas cardíacas. A mãe da criança percorreu três horas até chegar à Unidade Básica de Saúde Indígena (UBSI) no polo-base de Surucucu.
“Um dado público é que, nos últimos 4 anos, 570 pessoas Yanomamis morreram decorrente da contaminação por mercúrio por conta do garimpo ilegal. Agora, na casa de atenção à saúde indígena, tem 715 indígenas Yanomamis em desnutrição absurda”, disse Sônia Guajajara, ministra dos Povos Originários.
Comitiva presidencial durante anúncio de ações emergenciais para a população Yanomami em Boa Vista (RR). Fotos: Ricardo Stuckert/PR