Canetas de emagrecimento podem afetar mercado de alimentos no mundo

Tratamento

Maurílio Goeldner

Repórter e editor do portal Um Diabético. Escreve sobre saúde desde os tempos da faculdade de jornalismo. Para sugerir uma reportagem: redacao@umdiabetico.com.br

A empresária Sheila Nascimento ganhou 12 kg durante a gravidez. Dois anos depois que a filha nasceu tentou emagrecer controlando a alimentação e com atividade física. Ela até conseguiu perder parte do peso, mas depois de alguns meses percebeu que estacionou. “Eu subia na balança e tava sempre na mesma. Além disso percebi que estava ansiosa e comendo demais. Fui a uma endocrinologista que pediu uma bateria de exames”, conta Sheila. Os resultados indicaram sobrepeso, taxas alteradas de triglicérides e pré-diabetes: “eu já tinha ouvido falar de remédios para emagrecer, mas eles tinham efeitos psiquiátricos bem pesados. Pedi para a médica algo com menos efeitos colaterais, ela indicou o Saxenda e eu emagreci 6 quilos em 3 semanas”. A relação com a comida também mudou bastante e ela passou a diferenciar melhor o que é fome e o que é ansiedade. “Agora eu faço de 2 a 3 refeições por dia. Não sinto mais aquela necessidade de comer por impulso, achei meu ponto de equilíbrio”, lembra ela.

Relatos assim estão cada vez mais comuns. Essa diminuição do apetite tem levado a uma redução de consumo em supermercados e redes de fast food. Pesquisa do Morgan Stanley com 300 pacientes que tomavam medicamentos para emagrecer mostra que a ingestão diária de calorias caiu de 20% a 30%. Nos Estados Unidos o CEO do Walmart, John Furner, disse que essas pessoas estão comprando menos comida nos supermercados. “Há fortes evidências que há uma mudança drástica nos hábitos alimentares de quem utiliza esses remédios. A demanda por alimentos pouco saudáveis tende a cair, segundo projeções de fundos de investimentos. Empresas que apostam em alimentos ultra processados tendem a perder, assim como McDonalds, Walmart, PepsiCo e Coca-cola”, analisa o economista Josilmar Cordenonssi, professor de Ciências Econômicas da Universidade Mackenzie. A opinião do professor brasileiro vai na mesma direção dos analistas do banco de investimentos Barclay´s. Para eles o “efeito ozempic” representa um risco para restaurantes de fast food, porque, além de inibir o apetite, os medicamentos reduzem o desejo por substâncias viciantes.

A endocrinologista Karina Risério Schvinger: medicamentos são poderosos na redução do apetite

Segundo a endocrinologista Karina Risério Schvinger esses medicamentos são poderosos porque têm hormônios que agem em diferentes partes do organismo: intestino, pâncreas e também no cérebro. “No cérebro as incretinas agem no hipotálamo, região responsável pelo controle da saciedade, com receptores que agem e diminuem os impulsos nervosos que inibem a fome. Outro mecanismo onde atua é no esvaziamento gástrico. As incretinas têm receptores no tubo gastrointestinal e elas retardam o esvaziamento gástrico. Ou seja, o alimento fica por mais tempo dentro do estômago, então a gente fica com a sensação de saciedade por mais tempo”, explica a especialista.

Alternativas e oportunidades

O economista acredita que as empresas diretamente afetadas por esse novo perfil de consumidor ainda tem a oportunidade de se reposicionarem no mercado. As redes de fast food ainda podem criar alternativas saudáveis nos cardápios, por exemplo. “No caso de restaurantes é possível deixar o foco na experiência da qualidade da comida. Eles podem apostar em se transformarem é locais para conversas, encontro de pessoas”, pontua Josilmar Cordenonssi. Se as empresas não se adaptarem, ele acredita que pode haver uma queda nas ações desse segmento no mercado de capitais: “Ainda não há um abandono (nas ações) dessas empresas porque essa visão não é dominante no mercado. Mas, cada vez mais a demanda por ações de empresas como McDonald’s, PepsiCo e Coca-Cola tende a diminuir, por conta desses novos hábitos que tendem a se tornar dominantes”, lembra ele.

Farmacêuticas aumentam capacidade de produção

O economista Josilmar Cordenonssi, professor de Ciências Econômicas da Universidade Mackenzie

Por outro lado, os papéis das empresas farmacêuticas tende a se valorizar. A Novo Nordisk anunciou recentemente que vai investir mais de 6 bilhões de dólares numa nova fábrica de 170 mil metros quadrados a ser construída na Dinamarca. A unidade produzirá os medicamentos Wegovy e Ozempic, para tratamentos de diabetes e obesidade. As ações da empresa já subiram 48% no ano e colocaram a Novo Nordisk no topo do mercado como a empresa mais valiosa da Europa.

Segundo o economista a empresa tem um trunfo nas mãos. “Ao que consta você cria uma certa dependência desse remédio, ou seja, as pessoas conseguem emagrecer mas se pararem de tomar, o peso delas volta a crescer. Possivelmente essas empresas terão uma demanda crescente mesmo que outras empresas entrem como concorrentes. O lucro pode diminuir, mas o preço desses remédios vai se tornar mais acessível e consequentemente o uso ainda mais popular”, analisa Josilmar Cordenonssi.

A endocrinologista confirma que na bula dos remédios não há uma data final para o tratamento com esses medicamentos, mas pontua que os médicos já pensam em experimentar outras formas de uso. “Do ponto de vista médico, a ideia é que as incretinas não sejam usadas por toda a vida, muito embora esse seja o desejo da indústria farmacológica. Muitos trabalhos, até mesmo no Congresso de Diabetes, falam muito no intermitente, apenas na fase crítica” pondera Karina.